Natal /Christmas

(Followed By the English version at the end)

Num ano normal, poderia começar a época natalícia com esta música… Melodia alegre, letra a condizer… Quase perfeito. 

Mas, pela primeira vez, na minha já longa existência, um negrume, como nunca antes visto, e difícil de reverter, invade o meu coração.

Não consigo ver o branco cândido da neve… Vejo toda a paisagem tingida de vermelho sangue… O odor não é a pinho, suave e fresco… é a morte. Até onde os meus olhos alcançam, não vislumbro o estábulo no lusco-fusco do dia… Só escombros de matéria contorcida… Maria chora sobre um corpo pequeno amputado, pousado num chão sujo… José não está presente… Desaparecido ou morto, não há como saber.

O mais parecido com anjos que consigo encontrar neste cenário, assemelham-se a voluntários que não entendem as línguas, nem as guerras, mas que abraçam o desespero, já sem raiva, daqueles que já só pedem que a morte pouse decididamente e os leve a todos de uma assentada…

Nem as luzes piscando na sua intermitência suave e delicada me iluminam a alma… Pelo contrário, lembram a cadência de bombas e mísseis, abrindo clarões estilhaçados na noite…

Herodes, no 'Massacre dos Inocentes', foi um autêntico amador comparado aos Putins e Netanyahus da nova Era, cujas mãos não só semeiam a morte, como espalham um sofrimento ainda mais profundo, numa escala impensável, onde o conceito de “inocentes” já não conhece limites.

Não há lugar a Reis Magos (homens de Ciência que partiram, intrigados pelo brilho de uma estrela), portanto … Até porque não há estrela… Apenas a tirania de homens obstinados e ignorantes ofuscados pelos holofotes do poder a qualquer preço…

A vela aromática que acendo todos os dias no meu quarto emprestado, para relaxar, cresceu de repente… Fixo a luz tremelicante e quente que desenha sombras largas na parede… Respiro fundo como se quisesse encontrar nesta luz ténue o meu reduto…

Coloco os fones, fecho os olhos… E canto baixinho as três icónicas melodias na versão deslumbrante do genial músico Jacob Collier… É sempre na música que me reergo, como se costurasse resiliência e esperança em cada acorde.

“I'll be home for Christmas”, o que é pura verdade…

“Winter wonderland”, para ficar presa em cada acorde…

“Silent Night”, numa tentativa de redenção de toda a Humanidade, suspensa em cada pausa de respiração…

English Version 

In a normal year, I could start the Christmas season with this song… Joyful melody, lyrics to match… Almost perfect.

But, for the first time in my long existence, a darkness unlike any I have ever known, and difficult to undo, invades my heart.

I can’t see the pure white of the snow… I see the whole landscape tinged with blood red… The scent is not that of pine, soft and fresh… it is death. As far as my eyes can reach, I can’t make out the stable in the twilight of the day… Only ruins of twisted matter… Mary weeps over a small, amputated body, lying on a dirty ground… Joseph is not present… Missing or dead, there is no way to know.

The closest I can find to angels in this scene resemble volunteers who do not understand languages or wars, but who embrace the desperation, no longer angry, of those who only ask that death come down decisively and take them all at once…

Not even the lights flickering in their soft and delicate intermittency illuminate my soul… On the contrary, they remind me of the cadence of bombs and missiles, opening shattered flashes in the night…

Herod, in the 'Massacre of the Innocents', was an amateur compared to the Putins and Netanyahus of the new era, whose hands not only sow death but spread an even deeper suffering, on an unimaginable scale, where the concept of “innocents” knows no bounds.

There is no place for the Magi (men of science who set out, intrigued by the shine of a star), therefore… Especially because there is no star… Only the tyranny of stubborn and ignorant men blinded by the spotlight of power at any cost…

The scented candle I light every day in my borrowed room, to relax, has suddenly grown… I fix my gaze on the flickering, warm light that draws wide shadows on the wall…

I take a deep breath as if I want to find in this faint light my stronghold…

I put on my headphones, close my eyes… And quietly sing the three iconic melodies in the stunning rendition of the brilliant musician Jacob Collier… It is always through music that I rise again, as if sewing resilience and hope into every chord.

“I'll Be Home for Christmas,” which is pure truth…

“Winter Wonderland,” to get stuck in every chord…

“Silent Night,” in an attempt at redemption for all of Humanity, suspended in each breath's pause…